Parece ter chegado ao ápice uma
disputa que vem se desenrolando há alguns anos, todo mês de junho, no Nordeste.
Mais do que em qualquer outra região do país, a época é de festa em Estados
como Sergipe, Pernambuco e Paraíba – os dois últimos concorrem pelo título de
maior São João do Brasil, se o de Campina
Grande (PB)
ou o de Caruaru (PE). Neste ano, a briga
entre as duas cidades ficou pálida diante da guerra que se escancarou entre sertanejos,
grupo que vem tomando os palcos nordestinos neste período, e os
forrozeiros, representantes de um gênero que há décadas domina os festejos
juninos.
O debate, incendiado por uma campanha na internet em que
adeptos de um São João de raiz pedem o fim da invasão bárbara de
sertanejos, vai além da oposição entre o que é tradição e o que é novidade –
velho conhecido do mercado fonográfico, em que reina pelo menos desde o início
da década, quando deixou para trás a axé music, o pop e a música romântica, o
sertanejo neste contexto representa o novo, já que o São João sempre foi reduto
do forró.
Para
os que endossam a campanha, substituir o ritmo que guiou por anos o arrasta-pé
nordestino seria descaracterizar a festa. Elba Ramalho, que pensa dessa forma, aproveitou sua presença na avenida
Paulista, em São Paulo, onde fez show no último domingo, para defender
que haja um “equilíbrio” na
programação dos eventos, que hoje tendem a ter mais cantores country. “Não é
festa do peão”, disse. Para Marília Mendonça, que respondeu do palco do “São João da Capitá”, festival da
Grande Recife, a curadoria
deveria ser do público, que hoje consome mais o sertanejo.
É
aí que a discussão se desdobra em outros aspectos. O sertanejo, como já dito,
de fato domina o mercado. O público, portanto, pode querer as atrações do
momento nas festas juninas a que pretende comparecer. As prefeituras das
cidades que realizarão essas festas, organizando os shows e pagando os cachês,
também: ter um evento cheio de gente não significa apenas estar apto ao título
de maior São João de uma determinada área, mas de ter ganhos com turismo,
gastronomia e outros segmentos alimentados pelo fluxo de visitantes. Interesses
econômicos compartilhados por donos de restaurantes, lojas e hospedarias.
Há também uma boa dose de
bairrismo na discussão, um orgulho pela própria terra e por seus frutos que,
como se sabe, é tão forte no Nordeste quando no extremo Sul do Brasil. Elba,
paraibana, está também defendendo o que é dela, por assim dizer: a permanência
de um ritmo nordestino contra a chegada de um gênero que se originou no
Centro-Oeste, ali junto ao Paraguai, e no interior de Estados como São Paulo e
Paraná, e foi se alastrando por todo o país. Pode soar resistente, para não
dizer preconceituoso, com o que vem de fora. Se nem Ariano Suassuna, em sua
genialidade particular, escapou da acusação de tentar congelar o folclore,
difícil que o tópico não atinja os músicos. Mas, por outro lado, pode
haver de fato uma demanda por forró nas festas, demanda que o modismo – as
atrações da vez são as cantoras sertanejas como Marília e Naiara Azevedo –
encobre. Daí, a eventual necessidade de se valorizar a cultura regional,
soterrada pelo que toca nas rádios.
A resposta, longe de ser simples, parece depender de
experimentos: de haver festas com programações diversificadas e a partir delas
se verificar se há espaço para todos. O ideal, de um ponto de vista agregador,
é que haja. É provável que, nessa experimentação, também se detecte
alguma mudança. Inerente à dinâmica do mundo, o imperativo da
transformação foi percebido pelos gregos antigos há milhares de anos, e não se
pode driblá-lo. O forró tem composições lindíssimas e fez grande sucesso no
Brasil nos anos 1950, sobretudo com Luiz Gonzaga, o chamado rei do baião, que
cantava não sem certa densidade as mazelas e a beleza do sertão. Agora, feliz
ou infelizmente, talvez seja a vez do forró. Pode-se detestar o ritmo, mas não
se pode paralisar o tempo.
Blog: O Povo com a Notícia
Via: Veja