Por
Luiz Cláudio Brito
As polícias pernambucanas prenderam cerca de 15 mil pessoas nos primeiros
sete meses desse ano, 10% delas acusadas de homicídio. Vou repetir: 15 mil
prisões de janeiro a julho de 2017.
Nunca se prendeu tanto em Pernambuco. E mesmo assim a população continua
clamando, com toda razão, por mais policiamento e segurança. Ainda mais quando
nos deparamos com casos emblemáticos, como o do jornalista atingido por uma
bala disparada por bandidos em fuga na cidade de Caruaru ou nos traficantes que
atearam fogo a um carro com dois rivais dentro dele no bairro de Boa Viagem, no
Recife. Ambos neste final de semana.
Todos sabemos que chegamos às atuais taxas de criminalidade em
função da crise econômica que enfrentamos. O emprego sumiu e a violência
explodiu no Brasil inteiro. Em Pernambuco não foi diferente. Como policial, não
ouso dizer como conduzir a economia. Mas é da minha competência e da minha
obrigação apontar os problemas que impedem a transformação dos esforços
empreendidos pelas corporações policiais brasileiras em efetiva segurança para
o cidadão.
Vou citar dois casos reais: No dia 20 de agosto passado, três
pessoas foram detidas, em Serra Talhada, durante abordagem da Polícia Militar,
portando toucas ninjas, colete balístico e até vídeos com exibição de armas
idênticas às utilizadas no ataque a um carro-forte ocorrido apenas dois dias
antes. Os policiais chegaram a eles após informações de que teriam envolvimento
com outros participantes desse crime. Não apenas isso: os três indivíduos
possuíam antecedentes criminais por assalto, porte ilegal de armas e tráfico de
drogas. Na audiência de custódia, todos foram liberados.
Em julho, um jovem foi preso em flagrante após um assalto a
ônibus. Durante a audiência de custódia realizada na 18ª Vara Criminal da
Capital, ele confessou ter praticado nada menos que oito assaltos desse tipo. Foi
liberado para responder em liberdade. Depois de solto, praticou
outros nove assaltos a coletivos. Acabou preso pela polícia posteriormente
quando, enfim, seu mandado de prisão preventiva foi expedido pela Justiça. Mas
a essa altura já contabilizava 17 crimes. Até onde se sabe.
As audiências de custódia foram implantadas no Brasil em fevereiro
de 2015, por proposta do Conselho Nacional de Justiça. O CNJ construiu o modelo
a partir do Pacto de São José da Costa Rica, um tratado celebrado em 22 de
novembro de 1969. Ou seja, implementamos uma etapa do nosso processo legal com
quase 50 anos de atraso ao tratado que a inspirou, totalmente defasado em
relação à realidade do Brasil e do mundo.
Há décadas, havia uma preocupação, na
América Latina, em relação à proteção dos presos políticos, contexto diferente
do atual. Segundo pesquisa do CNJ, nossas polícias colocam Pernambuco entre os
estados com menos casos de agressões, maus tratos ou tortura contra presos
apresentados em audiências de custódia. As notificações não chegam a 1%.
O Pacto de São José da Costa Rica também desconheceu diferenças
estruturais de cada país — a exemplo dos sistemas carcerários, ressocialização,
escolaridade, índice e padrão de criminalidade. Um tratado totalmente em
conflito com legislações mais modernas. O Estatuto do Desarmamento brasileiro
(Lei 10826, de 22 de dezembro de 2003), por exemplo, classifica como crime
inafiançável o flagrante por porte de armas de uso exclusivo das forças
armadas, como fuzis. Pelo tratado, não é feita a diferenciação entre os tipos
de armamentos. Se for réu primário e tenha cometido um crime considerado de
menor gravidade ou potencial ofensivo, um indivíduo portando armamento de
guerra pode retornar às ruas e responder em liberdade.
Digo mais: a resolução que criou
as audiências de custódia desconhece a realidade do próprio Poder Judiciário.
Em muitas cidades do interior do Brasil não há juízes plantonistas. Isso obriga
nossos policiais a conduzirem esses presos por muitos quilômetros até um
município que possua plantão. Para fazer uma escolta, a PMPE emprega, geralmente,
o dobro de homens em relação aos presos. Se são dois presos, 4 policiais são
destinados à missão. Uma audiência pode demorar, a depender da fila de espera,
um dia para ser concluída. Nessas 24 horas, os policiais ficam indisponíveis
para o trabalho de segurança nas ruas.
O
gráfico mostra que a partir de 2013, com a crise econômica, as vagas de emprego
(curva em amarelo) foram sendo reduzidas e o número de homicídios (curva
branca) cresceu na mesma proporção.
Neste momento, a Secretaria de Defesa Social, a Defensoria
Pública, o Ministério Público de Pernambuco e o Tribunal de Justiça de
Pernambuco estão tentando desenvolver uma logística que diminua esse problema.
Hoje a Polícia Militar de Pernambuco tem uma perda de 20% da sua capacidade de
policiamento em função das escoltas para realização de audiências de custódia.
Dá para melhorar? Claro que dá. O Rio Grande do Sul, por exemplo,
libera apenas 14% dos presos em flagrante.
Os policiais pernambucanos estão fazendo sua parte. O Governo do
Estado também está, através de um investimento de R$ 290 milhões num plano de
segurança que vai colocar mais 4.500 policiais nas ruas (uma turma com 1.500
deles se forma agora em setembro), que adquiriu 1.000 novas viaturas, que criou
novos batalhões e companhias independentes pelo interior, que criou o BOPE
Pernambuco, que adquiriu mais e melhores armamentos e equipamentos de proteção
para os policiais.
Os recursos humanos, mesmo considerando os reforços, não são
infinitos. Temos uma tropa motivada, que se arrisca diariamente para defender a
sociedade contra uma criminalidade fortemente armada, capitalizada, enraizada e
capaz de qualquer atrocidade para manter a rentabilidade do seu “negócio”. E a
sensação de “enxugar gelo” é nefasta para nossos policiais. Dos Crimes
Violentos Letais Intencionais de Pernambuco, termo técnico pelo qual nos
referimos aos homicídios, cerca de 60% têm motivação na guerra do tráfico de
drogas e extermínio. São os mesmos criminosos praticando centenas de
assassinatos, entrando e saindo do sistema penal.
Quanto à pergunta posta no título deste
artigo, só posso garantir que o único que não tem culpa alguma nisso tudo é o
cidadão. Esse deseja imensamente que as instituições se
articulem e se movimentem no sentido de garantir proteção, ordem, tranquilidade
e bem-estar social a todos.
*Major da Polícia Militar de Pernambuco
Blog: O Povo com a Notícia
Via: Blog do Nill Júnior