Folha de São Paulo
Lampião, o rei do cangaço está vivo e cego de um olho. Tem 86 anos e mora
escondido em uma fazenda no interior de Minas Gerais. Quem garante é Zé
Paraíba, famoso tocador de sanfona conhecido em todo o sertão paraibano e de
Alagoas e amigo do cantor Waldick Soriano (1933-2008).
Zé Paraíba, nome artístico de José Salete, diz que nasceu no dia 7 de
agosto de 1932 e que foi sanfoneiro de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Foi o próprio sanfoneiro quem contou a sua história, publicada no jornal
“Notícias Populares” em 17 de novembro de 1977.
Lampião e seu bando costumavam se hospedar em fazendas durante suas
viagens pelo sertão. O pai de Zé Paraíba, José Leite, era proprietário da
fazenda Lage Vermelha, no alto sertão da Paraíba.
Lá o grupo de Lampião se hospedava frequentemente. “Meu pai, José Leite,
tocava oito baixos (sanfona) na fazenda Lage Vermelha, e eu segui o seu
caminho. Foi nela que o velho conheceu Lampião. O Virgulino costumava passar na
fazenda do meu pai, que era uma das mais conhecidas do sertão paraibano e ali
se ‘arranchava’, pedia pousada constantemente.”
“Com o tempo foi nascendo uma amizade entre meu pai e o rei do cangaço.”
Zé Paraíba continua sua narrativa, contando a experiência de ter vivido com
Lampião e seu lendário bando. Maria Bonita, Corisco, Dadá, Pilão, Gavião, Volta
Seca. O bando todo se arranchava na fazenda.
Aos nove anos, o músico estava tocando uma pequena sanfona na fazenda Belo
Jardim, vizinha da de seu pai. Foi quando ele viu a tropa de Lampião se
aproximar.
“Os cabras gostaram das músicas de forró que eu tocava e me raptaram. No
começo do rapto eles me maltrataram um pouco porque não sabiam que eu era filho
de José Leite. Depois que Lampião ficou sabendo quem eu era ele recomendou aos
cabras que não me maltratassem e mandou avisar o meu pai na fazenda”, disse Zé
Paraíba.
Depois que Lampião soube quem era o menino as coisas começaram a melhorar.
O sanfoneiro ficou mais tranquilo e passou a tocar músicas para Maria Bonita.
Os homens do bando pediam a música da mulher de Lampião. Então ele tocava
“Mulher Rendeira”. Todos gostavam e dançavam.
Zé Paraíba revelou porque o rei do cangaço se tornara um bandido e um
contraventor das leis e da justiça: “O Lampião me falou que nunca teve ideia de
sair por aí ‘cangaceando’ e fazendo mal para os outros até que viu o pai dele
morrendo com 37 facadas. Ele ficou louco durante três dias e depois partiu para
a vida do cangaço. Mesmo assim ele não atacava os coitados, ele só atacava quem
não gostava dele”.
O músico se lembra de um episódio que aconteceu num povoado do sertão
baiano chamado Queimados. O bando estava arranchado em uma fazenda próxima.
Lampião mandou avisar que entraria na cidade às oito horas do dia seguinte e
que era para os macacos (policiais) se prepararem.
Quando ele chegou à cidade só havia seis soldados. Então a tropa tomou
conta do lugar e Lampião ordenou ao povo que dançasse nu na praça. Todo mundo
tirou a roupa e dançou pelado na praça. O bando todo ficava olhando e com arma
apontada. Quem desrespeitasse a moça que era seu par corria o risco de ser
castrado. Zé Paraíba tocou forró para o povo dançar pelado durante três horas.
Depois disso Lampião mandou todo mundo se vestir e ir para casa.
Homens mais próximos de Lampião, José Leite e seu compadre, estiveram com
o rei do cangaço no começo de 1977 e disseram que ele estava vivendo em uma
fazenda no interior de Minas Gerais e com o nome trocado.
“Aquele negócio das cabeças que andaram mostrando por aí eu não acredito
porque meu pai e seu compadre foram ver e disseram que não era a dele”, disse
Zé Paraíba. O sanfoneiro não concorda com o que muitos dizem que Lampião fosse
um homem mal.
“Eu discordo de muita coisa que se diz por aí. Ele não era um cabra
sanguinário. Antes de atacar uma fazenda, ele mandava alguém para sondar se o
fazendeiro gostava ou não dele. Se o fazendeiro falasse que não gostava, aí ele
atacava. Senão ele ficava ali mesmo e não agredia ninguém.”
“Ele tinha o coração bom e me salvou da morte. Logo que me raptaram, Volta
Seca e mais alguns queriam me jogar pro alto e me aparar na ponta de um punhal
porque eu não sabia tocar uma música. Aí chegaram ele e Maria Bonita e não
deixaram”.
Zé Paraíba ficou com o bando durante seis meses. Ele se lembra do que
Lampião disse ao lhe devolver para seu pai: “Zé Leite, vou lhe entregar seu
filho, mas é com muita saudade que eu faço isso porque ele toca muito bem e faz
tudo o que a gente pede.”
O sanfoneiro afirma que este foi seu primeiro contato com a vida musical
no cangaço, o que fez dele o famoso tocador de forró, com discos vendidos em
todo o Nordeste.
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